Uma celebração à defesa da classe trabalhadora – os 40 anos de Declatra

O mês de maio foi escolhido para as comemorações dos 40 anos de atuação jurídica da marca Defesa da Classe Trabalhadora (Declatra). Realizado na noite de sexta-feira (13/5), em Curitiba, o evento contou com a participação de mais de mil convidados – entre fundadores, sócios, associados, parceiros, clientes e integrantes de movimentos sociais.

A ex-presidenta Dilma Rousseff, o ex-governador do Paraná Roberto Requião e a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR) também estiveram presentes. Em seus discursos, todos ressaltaram a importância da garra e do brilhantismo das advogadas e advogados que construíram essa jornada em prol da classe trabalhadora ao longo das últimas quatro décadas. 

Foi uma noite não apenas de celebração, mas de reafirmação de um propósito iniciado em 1982 por um grupo de jovens idealistas que viam no Direito uma ferramenta para a transformação social. Essa missão é hoje representada pelo Instituto Declatra (@ideclatra) e pelos escritórios Gasam Advocacia (@gasamadvocacia) e Marcial, Pereira & Carvalho (@mpecadvocacia).

O evento de comemoração foi destaque no site do colunista Reinaldo Bessa: https://bit.ly/3wZ8U6w

Abaixo, confira o vídeo exibido no evento e uma galeria de fotos:

Fotos: Ana Beatriz Pazos | Gibran Mendes | Leandro Taques.

Grande Renúncia: qual a relação entre a onda de demissões nos EUA e a transformação do trabalho?

Grande Renúncia

Em 2021, os EUA registram uma média mensal 4 milhões de pedidos de demissão. Um recorde para o país. Os motivos: cansaço, falta de propósito e busca por qualidade de vida. A pandemia foi um catalisador desse movimento, chamado de Grande Renúncia. Mas suas causas e reflexos tendem a ser mais profundos. Entenda como esse fenômeno pode afetar as relações de trabalho no Brasil. 

Por Bruna Schlisting
Edição Emanuel Neves

São 20h em São Paulo. Marcela, de 34 anos, chega em casa exausta após mais um dia de trabalho. Ela é atendente de um bazar no centro da cidade. Lida com o público. Ouve grosserias constantemente e sofre pressão do chefe para bater metas. Pela manhã e no fim da tarde, Marcela se acotovela com outras dezenas de pessoas por um lugar em um ônibus cheio, em meio à pandemia. Ganha R$ 2 mil por mês. É mãe solteira e mora com o filho de oito anos na periferia. Marcela adora séries. Seu sonho era fazer cinema. Mas cursar a faculdade começa a se tornar uma utopia em razão da rotina desgastante e da limitação financeira. 

Em Michigan (EUA), são 18h. A publicitária Jane, de 27 anos, grava um vídeo para o TikTok. Em tom de desabafo, anuncia que vai deixar o emprego na agência. Cansou-se da rotina corporativa. Nem o aumento de salário para US$ 7 mil dólares e a possibilidade de trabalhar de casa em alguns dias foram suficientes para demovê-la da decisão de seguir um propósito maior. Jane quer investir em seu canal de yoga e levar uma vida menos agitada e próxima da natureza, junto com seu cachorro Sidarta. O vídeo em que ela anuncia sua saída ao chefe alcança 1 milhão de visualizações em dois dias. 

Grande Renúncia: O último apaga a luz

A hashtag #quittingmyjob (desistindo do meu trabalho, em livre tradução) tem mais de 60 milhões de visualizações no TikTok. Os conteúdos seguem roteiros semelhantes ao da fictícia Jane que narramos acima. São pessoas deixando seu emprego e alardeando isso ao mundo. Algumas delas o fazem com certo tom de desaforo, xingando seus superiores. A maior parte reside nos Estados Unidos. O país, aliás, vive uma epidemia de demissões desde o começo de 2021.

Em abril, o Department of Labor (DOL), setor do governo com funções semelhantes às do Ministério do Trabalho, identificou um recorde de 4 milhões de demissões. Os números acenderam o alerta de que algo estava acontecendo com o capital humano americano. E essa avalanche de gente pedindo as contas não parou mais. Em agosto, um novo recorde: 4,3 milhões. A marca foi superada em setembro, quando 4,6 milhões de americanos abandonaram suas vagas. Outros 4 milhões fizeram o mesmo em outubro. 

O levante de demissionários atinge diversas áreas – dos transportes à indústria, passando por serviços e setor financeiro. Em junho, uma pesquisa da Federação Nacional de Negócios Independentes revelou que 46% dos pequenos empresários dos EUA disseram não conseguir funcionários. Mesmo que 39% das empresas tenham elevado as ofertas de salários, reajustado o valor da hora de trabalho ou oferecido bônus a trabalhadores recém-contratados.

Esse fenômeno já tem até nome: Great Resignation. Em português, Grande Renúncia. E pode ser considerado mais uma transformação do mundo do trabalho provocada pela Covid-19.

Novas prioridades 

O termo foi criado pelo psicólogo Anthony Klotz. Especializado em comportamento organizacional, Klotz é professor associado de administração na Mays School of Business, da Texas A&M University. Em 2020, ele vislumbrou uma grande onda de demissões assim que os primeiros impactos da pandemia fossem absorvidos. As incertezas provocadas pela Covid-19 fizeram com que muitas pessoas adiassem a decisão de deixar o emprego. Ou seja, houve um represamento. E a enxurrada veio após o início da vacinação e de uma perspectiva maior de segurança. Entretanto, a Grande Renúncia não se resume a isso.

Ainda não há uma análise científica consolidada sobre o fenômeno. Nem dá para prever se ele irá se sustentar ao longo dos próximos anos. Mas é possível compreendê-lo como um surto de ressignificação do trabalho. “A pandemia proporcionou uma experiência inédita para as atuais gerações, provocando profunda inquietação sobre o sentido e o papel do trabalho em suas vidas”, confirma Maria Aparecida Bridi, professora de sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (Abet). A mudança do ambiente profissional tem muito a ver com isso. 

Grande Renúncia: De volta para casa 

O home office reconfigurou a agenda de trabalho. A flexibilidade desponta como trunfo desse modelo. Klotz destaca a vantagem de o trabalho remoto permitir pausas, antes pouco prováveis. Seja para dar uma volta na quadra com o pet ou acompanhar a rotina de um filho pequeno em concomitância com as atividades do serviço. Para muita gente, entretanto, o home office da pandemia também tornou-se sinônimo de aumento de jornada e de uma falta de divisão entre a rotina profissional e a vida pessoal.

Mesmo assim, diversas pesquisas demonstram uma predileção das pessoas em seguir trabalhando de casa. Um levantamento da consultoria Bare International, divulgado em outubro, apontou que 70% dos brasileiros não querem retornar à rotina presencial como era antes da Covid-19. Já um estudo global da Robert Half, outra consultoria do setor de RH, demonstrou que há um posicionamento radical em relação a esse tema. Em especial, entre o público feminino. Cerca de 44% das mulheres afirmaram que deixariam seus empregos caso a empresa não permitisse o home office ao menos de maneira parcial. O dado foi revelado em outubro, enquanto as demissões batiam novos recordes nos EUA. 

Anseio por mudança

Há casos, entretanto, em que a mera oferta de trabalho remoto não é suficiente para garantir a permanência no emprego. Aqui, entram em cena fatores como o esgotamento causado pelo paradigma atual do trabalho. Questionamentos sobre valores e carreira já faziam parte da mentalidade dos jovens antes mesmo da pandemia. “Eles enxergam e se relacionam com o trabalho de outras formas. Querem mais autonomia e propósito, além de desejarem aprender de maneira participativa e colaborativa. Seus anseios não estão sendo atendidos pelos formatos de relacionamentos das organizações. Natural que busquem atendê-los de outras formas”, analisa a psicóloga Lucimar Delaroli, especializada em desenvolvimento de lideranças e educação corporativa.

O World Trend Index, uma pesquisa da Microsoft realizada com 30 mil trabalhadores de 31 países (incluindo o Brasil), revelou que mais de 40% pretendem mudar de profissão. O dado foi revelado em abril, mesmo mês em que a Grande Renúncia começou a dar seus sinais nos EUA. Como a pandemia descortinou novas possibilidades e formatos de trabalho, Lucimar corrobora a ideia de que o distanciamento social direcionou as pessoas à introspecção e a repensar estilos de vida. Mas ela alerta que não devemos glamourizar a Grande Renúncia. “Tudo isso é realidade para uma pequena parte dos trabalhadores qualificados, fora da vulnerabilidade social, sem adoecimento mental e com recursos para tentar novos caminhos”, ressalta.

Grande Renúncia: um caminho para poucos   

O ponto que Lucimar destaca talvez seja o cerne do debate sobre a Grande Renúncia pela ótica da realidade brasileira. A debandada do trabalho e a opção por qualidade de vida não são caminhos acessíveis a toda a classe trabalhadora – e nem a todos os países. A personagem Marcela, do início da matéria, encontraria extrema dificuldades para abrir mão de seu trabalho em nome de um projeto pessoal. O contexto de vida, a qualificação e a própria atividade exercida são entraves para ela surfar na onda da Grande Renúncia, como Jane fez.

A mais recente atualização da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), traz um dado que ilustra essa discrepância. Cerca de 89% dos trabalhadores brasileiros sequer tiveram acesso ao home office depois do início da crise do coronavírus. “Quem pode atuar a distância são trabalhadores de elevada qualificação, em profissões da classe média. Trabalhadores que possuem alta escolaridade e domínio das tecnologias de informação”, ressalta Maria Aparecida Bridi. Não é o caso de pessoas com o perfil de Marcela. A elas, as “epifanias pandêmicas” que Anthony Klotz cita como motores filosóficos da Grande Renúncia talvez jamais tenham acontecido. Não haveria tempo nem condições para isso.

#Procura-seEmprego

Enquanto as hashtags demissionárias bombam no TikTok dos EUA, o LinkedIn brasileiro acompanha a viralização de posts com pedidos desesperados por trabalho. Atualmente, o desemprego atinge cerca de 12,5 milhões de brasileiros (11,6%), segundo o IBGE. Esse número passou de 14 milhões em 2021. Nos EUA, a taxa é de 3,9%, algo próximo de uma situação de pleno emprego. Cenários como esse permitem maiores opções aos trabalhadores, gerando uma dinâmica mais fluida na relação com o trabalho. O reflexo natural é a rotatividade de vagas. “Nos países periféricos, a classe trabalhadora não tem a possibilidade de escolha. A Grande Renúncia pode ocorrer, mas em pequena dimensão”, avalia a professora da UFPR. 

O fenômeno, portanto, também pode chegar ao Brasil. Mas ficaria restrito ao topo da pirâmide laboral. Nessa esfera, a psicóloga Lucimar Delaroli destaca a necessidade de as organizações abandonarem modelos de trabalho anacrônicos. Segundo ela, os headhunters e os setores de RH brasileiros também têm enfrentado a escassez de candidatos qualificados. Todavia, Lucimar acredita que o processo da Grande Renúncia não será tão impactante no Brasil quanto tem sido nos EUA. 

Evasão de cérebros

Um dos sintomas que o país pode verificar a partir dos movimentos notados nos EUA é um acirramento da chamada “evasão de cérebros”. Com a escassez de talentos, as empresas americanas tendem a virar seus radares ainda mais para outros mercados. Isso aumentaria o contingente de globotics – profissionais que trabalham para organizações estrangeiras sem deixar seus países de origem. A própria migração pode aumentar. “O Brasil está formando engenheiros, cientistas e tantas outras profissões que não conseguem sequer se colocar no mercado de trabalho na área de formação. A situação é desalentadora. Por isso, observa-se a saída do país para aqueles que podem, como a classe média. A tentativa de ir para os EUA também cresceu entre os mais pobres. Inclusive com riscos de morte”, aponta Maria, ciando o caso de uma enfermeira brasileira que faleceu ao tentar entrar nos EUA de forma ilegal.

A rigor, a debandada de talentos é uma praxe em países subdesenvolvidos, que não têm ou não investem em recursos necessários ao aprimoramento da comunidade técnico-científica. Essa hemorragia intelectual deixa sequelas na ciência nacional — é o que destaca recente matéria da Piauí sobre a diáspora de cientistas brasileiros. “Apenas nos governos petistas o Brasil atraiu mão de obra. O país virou um canteiro de obras e havia uma política neodesenvolvimentista”, recorda a professora da UFPR. Agora, diz ela, vivemos em um país sem políticas públicas, sem agenda de desenvolvimento econômico, sem valorização de salários, sem políticas de criação e sem fomento do emprego. Por isso, as pessoas fogem e vão buscar trabalho e renda fora daqui.

Efeito cascata 

Numa projeção mais otimista, a Grande Renúncia pode gerar uma maior conscientização das empresas em relação à valorização do capital humano. Mesmo que se inicie em um estrato superior do mercado de trabalho, esse paradigma pode avançar às demais áreas. “Ganhar mal atrapalha a produtividade e o engajamento, mas pagar bem nunca foi sinônimo de empresas mais inovadoras ou lucrativas”, analisa Lucimar. De fato, as empresas precisam arregimentar esforços para melhorar e incluir os trabalhadores em mundos laborais psicologicamente seguros. A ideia é que eles se sintam escutados, incluídos, participativos e com novos aprendizados. Gigantes do varejo como a Amazon, Target e Walmart têm beneficiado seus funcionários custeando mensalidades universitárias, livros e cursos. Isto é, não apenas para os ocupantes de posições estratégicas. As promoções almejam reter talentos, capacitar ainda mais a mão de obra e atrair novos nomes. 

Outro esforço seria uma modulação mais equilibrada das jornadas de home office, com a inclusão da garantia de desconexão. Como frisa a professora Maria Bridi, todo tempo passou a ser tempo de trabalho. A própria flexibilidade como vantagem não pode ser confundida com a perda de direitos assegurados. “Há uma tendência de avanço do trabalho plataformizado, do trabalho sem direitos, como é o caso dos freelancers”, diz Maria. Há casos em que a pretensa flexibilidade é apenas um simulacro que beneficia ainda mais as empresas. “Como se destruir a CLT fosse um mecanismo para criação de emprego de renda. Um grande engodo”, conclui a socióloga.

O Direito Transforma (#ODT) é uma seção voltada para a publicação de artigos e matérias que abordam as mudanças que estão em curso no mundo jurídico e a importância do poder transformador do direito.

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Especial Trabalho Híbrido — A hora da reinvenção dos sindicatos

Reinvenção dos sindicatos

Em meio ao esvaziamento provocado pela Reforma Trabalhista, os sindicatos lutam para se adaptar ao jogo de forças do novo mercado. As recentes transformações e a evidente falta de proteção aos grupos menos favorecidos surgem como oportunidades para essas entidades mostrarem por que continuam vitais à classe trabalhadora.

Por Bruna Schlisting
Edição Emanuel Neves

Quem transitava pelo bairro São José, em Novo Hamburgo (RS), na manhã de 28 de junho, deparava-se com mulheres gritando palavras de ordem ao redor de um vaso sanitário. A privada ficava em frente a uma fábrica de calçados. O grupo era formado por funcionárias que reclamavam o prosaico direito de ir ao banheiro. Parece jocoso, mas é dramático. Naquela semana, uma colega fora impedida de fazer suas necessidades em meio à jornada de trabalho. A fábrica estipula horários fixos para isso, com o intuito de não prejudicar a produção. A moça, de 19 anos, pediu três vezes ao seu supervisor para ausentar-se momentaneamente. Após a terceira negativa, não resistiu e urinou na própria roupa. Ainda teve que passar pelo constrangimento de se deslocar até o departamento de RH para solicitar a liberação e ir para casa. Detalhe: ela estava grávida.

Há o relato de que a fábrica nem sequer ofereceu apoio ou condução para amenizar a situação da empregada. O Sindicato das Sapateiras e Sapateiros de Novo Hamburgo protocolou uma denúncia no Ministério Público do Trabalho (MPT-RS). Um acordo coletivo foi encaminhado junto à empresa para sanar o problema. O escárnio registrado na fábrica de calçados gaúcha é uma situação extrema. Mas não é um fato isolado. Diariamente, milhões de trabalhadoras e trabalhadores enfrentam desrespeitos semelhantes a esse. O século 21 avança e oferece condições inimagináveis em termos de tecnologia e de oportunidades. Mas a classe trabalhadora ainda se vê diante de atrasos dignos da Revolução Industrial. Em casos assim, torna-se evidente a importância de movimentos de caráter protetivo.

O próprio avanço tecnológico traz cenários desafiadores nesse sentido. A pandemia impulsionou a digitalização, com a aplicação ostensiva – e atabalhoada – do home office. O resultado: jornadas estendidas e uma mistura nem sempre saudável entre vida pessoal e profissional. A chegada do trabalho híbrido se anuncia como a nova transformação, suscitando questionamentos e adaptações. No Brasil, o cenário de incertezas eclode em concomitância com uma nova investida do governo e do patronato no sentido de retirar direitos trabalhistas, aprofundando as perdas promovidas pela Reforma Trabalhista de 2017. Esse marco temporal, aliás, determinou o sufocamento da principal arma de articulação e defesa da força de trabalho: as entidades sindicais.

A “morte dos sindicatos”, decantada nos últimos anos, é um fenômeno recorrente. Isso é o que ensina o professor Marco Aurélio Santana, do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele faz um alerta acerca do benefício histórico dos sindicatos. “A história da exploração capitalista mostra como foi sempre melhor para a classe trabalhadora ter sindicatos que a represente do que não tê-los. O capital tem essa noção e, por isso, quer bani-los constantemente do cenário”, explica Santana, que coordena o Núcleo de Estudos Trabalho e Sociedade (NETS). “O capitalismo é um sistema de crises condenado a arranjar e desarranjar constantemente suas bases”.

Assim, a intempérie provocada pela pandemia e pela aceleração das novas tecnologias trouxe um novo elemento para o debate acerca da relevância da atuação dos sindicatos.

Do auge ao declínio forçado

Os sindicatos surgiram no país a partir da última década do século 19. Desenvolveram-se durante a Primeira República (1889-1930), caminhando na resistência às modificações econômicas e sociais produzidas pelo incipiente processo de industrialização de um país que pretendia abandonar as formações econômicas pré-capitalistas.

Em 1931, após a chegada de Getúlio Vargas ao poder, o movimento sindical brasileiro se estabelece como estrutura oficial do Estado. É quando entra em vigor a Lei da Sindicalização. De lá para cá, os sindicatos jamais viveram uma fase tão complexa quanto a atual. É possível determinar um momento de intenso crescimento da atuação organizada da classe trabalhadora a partir do final da década 1970. Mesmo em meio à Ditatura Militar (1964-1985), o movimento operário, sobretudo dos metalúrgicos do ABC paulista, organizou greves históricas que contribuíram para o fortalecimento sindical e para a mudança do cenário político. Pouco depois, a Constituição de 1988 estabeleceu uma liberdade de associação que passou a dispensar a intervenção do poder público.

Na década de 1990, entretanto, os governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso coordenaram uma ríspida implementação do neoliberalismo. A consequência foi a flexibilização das leis trabalhistas, iniciando um descolamento entre a classe trabalhadora e os sindicatos tradicionais. Embora os anos 2000 tenham sido mais brandos, a década neoliberal representou o começo da diminuição da relevância sindical e das lacunas para as atuações das instituições representativas da classe trabalhadora.

O cenário de enfraquecimento se intensifica a partir das reformas de 2017. Esse rearranjo eliminou a contribuição sindical obrigatória – que correspondia a um dia de trabalho por ano de quem possuía carteira assinada. Além de retirar um subsídio fundamental para a articulação dos sindicatos, a nova normativa estabeleceu uma maior flexibilidade de negociação entre empresas e empregados (as). Com isso, ocorre um movimento de individualização das relações que acaba por esvaziar a articulação coletiva. “Cada dia perdemos mais receitas. E também notamos um afastamento dos representados. Perdemos funcionários por falta de condições de mantê-los diante da ausência de perspectiva de melhoria. Nossa situação é de total vulnerabilidade financeira”, revela Isabel Baptista, presidente do Sindicato das Secretárias e Secretários do Estado de São Paulo (Sinsesp). E os números confirmam que a situação do Sinsesp é a tônica do movimento sindical.

O último levantamento sobre taxa de sindicalização é de 2019. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram que os sindicatos abrangiam 11,2% da população ocupada naquele ano. Em 2018, havia 12,5% de trabalhadores associados. A mudança trazida pela Reforma Trabalhista é ainda mais perceptível. De 2017 para cá, mais de 3 milhões de pessoas deixaram de ser sindicalizadas. O baque surtiu efeito mesmo nas categorias mais fortes, com a queda da adesão no setor dos transportes, armazenagem e correios. “A Reforma Trabalhista se fundamenta em pressupostos neoliberais e gerenciais. Sua base está na ideia de que a ‘modernização’ das relações de trabalho não pode ser alcançada com proteção social, direitos universais e sindicatos fortes”, enfatiza a professora Patrícia Vieira Trópia, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Ela também faz parte da Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (Remir).

A Rede investiga os impactos da reforma, que prometia estimular a negociação coletiva e fortalecer os sindicatos. “Nossas pesquisas identificam exatamente o oposto”, salienta Patrícia. De modo geral, a reforma tornou as condições para a negociação adversas à defesa dos direitos dos trabalhadores e favoráveis ao patronato. “Mas não é possível afirmar que esta investida do Estado e da burguesia consiga acabar com o sindicalismo”, sublinha. Atualmente, o Brasil é um dos países com mais sindicatos patronais e profissionais do mundo. São quase 17 mil sindicatos ativos, sendo 5174 de empregadores e 11257 de trabalhadores. O cálculo é da Secretaria de Trabalho, vinculado ao Ministério da Economia, e agora pertencente ao recriado Ministério do Trabalho e Previdência.

Autonomia subordinada

Os elementos que surgem em meio à crise dos sindicatos tornam o contexto ainda mais grave. É o caso do crescimento do trabalho de plataforma, um fenômeno da nova economia que confunde autonomia e liberdade com precarização do trabalho. O caso mais emblemático é o dos motoristas de aplicativos móveis, uma categoria crescente que só agora começa a articular os primeiros vínculos sindicais. A praxe da chamada uberização, entretanto, é caracterizar os motoristas como trabalhadores desregulamentados. “Isso incentiva a concorrência e instiga a ideia de empreendedorismo, parceria, colaboracionismo e do mito do trabalhador autônomo”, confirma Patrícia Trópia.

Em março de 2021, o Instituto Locomotiva contabilizou mais de 32 milhões de trabalhadores (as) em plataformas digitais no Brasil. Esse contingente representa cerca de 20% da força de trabalho no país. O mesmo percentual era de 13% da população até fevereiro do ano anterior. O crescimento é fruto da crise pandêmica e da alta do desemprego, que ultrapassa 14% da população economicamente ativa. A pesquisa cita a “appficação” como a transcendência da uberização, por existir uma gama de aplicativos dando lugar a trabalhadores em situações análogas. Esse modelo se relaciona com as mais recentes morfologias do trabalho, exercidas por meio de home office ou teletrabalho, que muitas vezes são vinculadas a controles algorítmicos.

Aqui, temos o que o professor Marco Aurélio Santana, da UFRJ, chama de “falta de neutralidade tecnológica”. Isso porque as plataformas atuam com base na lógica do capital e do neoliberalismo contemporâneo. São profissões ancoradas no discurso de liberdade em meio a processos gradativamente individualizantes e desprovidos da maior parte dos direitos básicos.

Em busca de referências

A consolidação do home office traz um novo fator para a crise dos sindicatos. Esse modelo, mesmo na sua variação híbrida, tende a ampliar o isolamento e a consequente desarticulação da força de trabalho. A fragmentação pode representar um estímulo ainda maior à corrosão dos coletivos de trabalhadores, que encontram dificuldades para lidar com essa transformação. “Isso trouxe muitos problemas para a cobertura que os sindicatos poderiam ter dado ao conjunto de trabalhadores obrigados a esta forma de trabalho. Como, por exemplo, vistoriar condições de trabalho dentro da casa das pessoas?”, questiona Santana.

Além disso, o professor elenca problemas como a falta de regulamentação para o trabalho híbrido, a insegurança jurídica e os resultados negativos de ordem física e mental. O Sinesp, por representar um setor bastante afetado pela migração do local de trabalho, desponta com um exemplo de sindicato que conseguiu mediar o pleito por melhores condições para o trabalho a distância. “Sentimos o impacto nas jornadas de trabalho mais extensas para as secretárias. Reivindicamos junto ao setor patronal que a regra da jornada fosse respeitada e que os excessos fossem considerados como extra. Fomos atendidos em nossa primeira negociação”, conta Isabel Baptista.

Ações como a do Sinesp colaboram para a formação de uma nova massa crítica e jurisprudencial, capaz de guiar os sindicatos neste momento de readaptação. É difícil projetar como se dará a acomodação de forças daqui em diante. E isso pode se configurar em uma oportunidade para o reagrupamento dos atores que historicamente protagonizam a proteção e a defesa da classe trabalhadora.

Caminho de mão dupla

A pandemia, a exposição de trabalhadores (as) menos favorecidos (as) ao vírus e o recrudescimento da precarização podem ser estopins para reacender a consciência da classe trabalhadora. Um exemplo disso vem do próprio trabalho de plataforma. Ocorridas em junho de 2020, as greves dos entregadores e entregadoras, chamadas de “Breque dos Apps”, sugeriram o florescimento de uma nova vertente do trabalho organizado. “Essas greves explicitaram desafios. Os protestos tiveram o potencial de vocalizar a questão da precarização e da uberização vivida não apenas pelos entregadores, mas como sendo a realidade de várias categorias”, comenta Patrícia. Ela relata a participação dos sindicatos nos breques, como o Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Moto-Taxistas do Estado de São Paulo (SindimotoSP). O SindimotoSP prestou apoio político e financeiro,  com envio de carros de som e distribuição de máscaras e alimentos.

Em São Paulo, o número de pessoas atuando como motofrete cresceu 40% apenas no primeiro ano da pandemia. São cerca de 305 mil entregadores (as) na capital paulista. Segundo o SindimotoSP, muitos deles trabalham 16h por dia para receber menos de R$ 2 mil por mês, com desconto de gasolina. As reinvindicações do grupo incluíam melhores condições de trabalho, seguro contra acidentes e roubos, distribuição de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e garantia de remuneração para profissionais contaminados pelo vírus, entre outras exigências.

O exemplo do Breque dos Fretes, aliás, segue um movimento internacional iniciado com a greve dos entregadores de aplicativos de Londres, ainda em 2016, e replicada em outros países. Marco Aurélio Santana classifica a atual conjuntura como um caminho de mão dupla. A alternativa é utilizar os próprios aplicativos como elementos aglutinadores da representatividade, no sentido de organizar novos perfis da classe trabalhadora e promover a aproximação com a atuação sindicalizada.

A proposta de Santana é direcionar o foco para essa nova base, a partir de um debate democrático e sem visões limitantes. “Mais rico e produtivo seria pensar nas possíveis sinergias e potências das relações entre eles”, avalia. Da mesma forma, a professora Patrícia Trópia indica o momento da tecnologia da informação como uma oportunidade de os sindicatos se aproximarem da base, organizar assembleias, eleições, paralisações e greves. No Sinsesp, o caminho tem sido o da busca de conscientização por meio da capacitação. A entidade promove cursos online e congressos sobre temas prementes, como o impacto da inteligência artificial no trabalho. A receptividade, entretanto, ainda é baixa. “As pessoas estão entusiasmadas com a não contribuição compulsória e não percebem quanto estamos ficando enfraquecidos. O mercado já demonstra queda salarial e soberania dos empregadores nas decisões”, avisa Isabel Baptista.

Pode-se depreender, portanto, que os novos arranjos do mundo do trabalho, mesmo os mais disruptivos e inovadores, não podem prescindir do sindicalismo – uma das potências mais duradouras e eficientes da história do capitalismo. Apesar dos obstáculos, os sindicatos encontram oportunidades de remanejar caminhos em meio ao terreno conturbado do novo mercado. “Como em muitos outros momentos, já levaram flores à cova dos sindicatos. Entretanto, aos poucos, apesar de combalidos, eles estão reagindo”, finaliza Santana.

O Direito Transforma (#ODT) é uma seção voltada para a publicação de artigos e matérias que abordam as mudanças estão em curso no mundo jurídico e a importância do poder transformador do direito. Para dúvidas e comentários, entre em contato.

A LGPD e a divulgação de dados pessoais de processos na internet

Rodrigo Thomazinho Comar – advogado do escritório GASAM (Curitiba-PR), mestre em Direito. Especialista em Direito Civil e Processo Civil

A intensa interatividade entre os indivíduos, utilização de meios de comunicação mais ágeis e a necessidade e praticidade da rede mundial de computadores, fez com que a maneira de se relacionar dos indivíduos passasse por transformações profundas.

Todavia, como se sabe, a tecnologia não trouxe apenas facilidades. Novos conceitos, revisões de comportamentos e adoção de novos cuidados tiveram de ser adotadas, em especial quando se tratam de dados pessoais que circulam na rede mundial de computadores, redes sociais, entre outros.

Todo esse cenário ganhou contornos novos com a pandemia do Coronavírus (SarsCov-2), onde a utilização da tecnologia ganhou incremento, acarretando a necessidade de utilização de conexões de internet cada vez mais rápidas e robustas visando atender a essa nova demanda.

Conforme tratado acima, os dados que trafegam na internet passaram a ganhar relevo, pois estão no centro de operações comerciais, tendo em vista que a eles foi atribuído interesse econômico e mercadológico, gerando a necessidade se sua proteção, com intuito da preservação da privacidade e intimidade de seus titulares.

Paralelamente a isso, sempre existiu a preocupação de ex-empregados e trabalhadores a divulgação de dados ou de listas com informação de ações ajuizadas contra ex-empregadores ou empresas que tenha prestado serviço, tudo isso em razão da dificuldade na recolocação em novo posto de trabalho.

Tal prática, aliada recessão econômica e agravada por um cenário de perda de postos de trabalho em razão da utilização cada vez mais crescente de computadores ao invés de mão de obra humana, acabam por gerar situação de grande preocupação aos que enxergam a necessidade de buscar a reparação de direitos perante o Poder Judiciário. Desta maneira, surge o seguinte questionamento: há como evitar a divulgação ou a formação de listas de nomes de reclamante sem ofender a publicidade que deve existir em um processo judicial?

Visando responder ao questionamento, é importante destacar que a discussão apresentada se refere ao confronto de dois valores/princípios: de um lado, a citada publicidade e, de outro, a intimidade/privacidade do titular dos dados.

Quando se verifica o conflito de princípios/valores, a solução apresentada é de que um deles diminua sua aplicabilidade para dar lugar ao outro, o que é feito com base nas circunstâncias do problema em análise, ou seja, há como compatibilizar a publicidade com a intimidade? A resposta parece ser positiva, conforme os fundamentos apresentados abaixo.

De se destacar que tal questão já foi tratada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, no ano de 2010, editou a Resolução nº 121, a qual disciplinava sobre a divulgação dos dados processuais eletrônicos na rede mundial de computador.
Pela referida resolução, as consultas serão públicas e limitadas a algumas informações e que, em determinadas situações, impedirá, quando possível a busca do nome das partes.

Não obstante a isso, outro instrumento legal se dá com a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n.º 13.709/2018), pois é voltada justamente ao resguardo dos dados pessoais e sensíveis dos titulares, de onde se verifica um arcabouço de princípios e conceitos que podem contribuir para superação deste aparente conflito.

A citada lei prevê, em seu texto, que o tratamento dos dados pessoais deve ser feito sempre de acordo com uma finalidade específica, sempre de maneira adequada e estritamente para atender determinada necessidade, ou seja, com o tratamento limitado ao mínimo necessário e de maneira transparente.

Trazendo tais conceitos para o problema em questão, é de se notar que não se verifica a necessidade de afastamento da publicidade de um processo judicial (salvo se houve motivo para tanto – hipóteses de segredo de justiça), bastando para tanto que se adeque a situação prática aos requisitos da norma.
Desta forma, fazendo a leitura entre o disposto na resolução editada pelo Conselho Nacional de Justiça e, de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados, é possível concluir que os dados do processo são públicos, sendo esse um valor constitucional do qual deve ser observado.

Entretanto, a divulgação de dados por via de processos judiciais eletrônicos deverá ocorrer sempre de maneira a que não cause violação a direitos de intimidade e privacidade, ou seja, ocorrendo da maneira menos invasiva possível e utilizando-se de formas estritamente necessárias para atender ao princípio da publicidade.

Acerca de tais elementos, é possível contemplar a publicidade do ato, que se dá com a divulgação dos dados do processo, mas que a divulgação do nome das partes ocorra pela abreviatura das iniciais do seu nome, portanto, bastando para tanto que o interessado faça o requerimento ao juiz da causa e que este, por sua vez, acolha o pedido.

O mesmo pode ser dito também em relação a divulgação de decisões, de onde se busca noticiar o seu conteúdo/fundamentação, “anonimizando” o nome das partes quando da disseminação da informação.

Desta feita, é possível concluir que a Lei Geral de Proteção de Dados pode ser utilizada como uma “ferramenta” aos interessados, visando, com isso, atender o justo motivo de não ser penalizado pelo exercício de um direito constitucional de ação, afastando-se, com isso, a possibilidade de criação de “listas” com nomes de ex-empregados ou trabalhadores que buscam o Poder Judiciário.

Artigo publicado no portal Bem Paraná.

Especial Trabalho Híbrido – Adoecimento e home office: O preço da produtividade

Adoecimento e home office

A adoção apressada e desorganizada do trabalho remoto pode estar por trás do aumento de doenças ocupacionais verificado desde o início da pandemia. O quadro que relaciona adoecimento e home office deve melhorar com a consolidação do sistema híbrido. Mas exigirá uma postura ativa dos trabalhadores para garantir suporte e responsabilidade por parte das empresas.

Por Bruna Schlisting
Edição – Emanuel Neves

Fadiga, irritabilidade, hiperatividade, insônia, dores nas articulações, cefaleia. Por volta de 460 a.C, o médico e filósofo grego Hipócrates identificou queixas desse tipo em trabalhadores de minas extrativistas. Eles também apresentavam disfunções gastrointestinais com quadros de cólicas. Todos eram vítimas de saturnismo, também chamado de plumbismo, uma intoxicação por chumbo. Essa pode ser considerada a primeira doença laboral já catalogada. Os sintomas que maltratavam os mineiros gregos há 2.500 anos estão presentes em boa parte dos profissionais da atualidade. Mas com um viés bem diferente. É possível identificar manifestações semelhantes nas mais modernas doenças do trabalho. Uma delas é a Síndrome de Burnout, o esgotamento mental causado pelo estresse. O mesmo vale para a Fadiga do Zoom, um reflexo do excesso de reuniões virtuais. A pandemia tornou-se um fator chave para o agravamento desses quadros.

Isso porque a aplicação ostensiva e sem planejamento do home office trouxe impactos nocivos aos trabalhadores. O principal deles é o aumento da jornada. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que o modelo a distância adotado na pandemia estendeu a carga de trabalho em 10%, no mínimo. Mas há números mais contundentes. Em outubro de 2020, uma pesquisa feita pela Oracle em parceria com a Work Intelligence identificou que os brasileiros em home office estavam trabalhando acima da média mundial – 40 horas a mais por mês para 42% dos entrevistados. Não à toa, cerca de 70% deles disseram jamais ter vivido um ano tão estressante quanto 2020. Um quadro que pode ter se agravado em 2021, em razão da continuidade da pandemia. O resultado disso é uma explosão de doenças ocupacionais.  

No ano passado, por exemplo, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) registrou alta de 26% na concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez na comparação com 2019. A principal causa são os transtornos psíquicos, como ansiedade e depressão. Tendinites, lombalgias e mialgias (dores musculares), problemas diretamente relacionados a carências de ergonomia, também entram na lista. Todos se enquadram em Lesões por Esforço Repetitivo (LER) ou Distúrbios Osteomoleculares Relacionados ao Trabalho (Dort).

O home office possível

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) elaborou um guia prático com pesquisas sobre o trabalho na pandemia. O documento salienta os dois principais desafios do home office: o agravamento dos problemas de ordem psicossocial e ergonômicos. Inclusive, ambos podem estar relacionados. O ergonomista José Marçal Jackson Filho, pesquisador da Fundacentro, relata que LER e Dort não têm origem somente fisiológica e podem estar ligadas ao estresse do trabalho. “A intensificação da jornada é comum ao trabalho remoto e ao teletrabalho. O home office, por si só, já expõe o trabalhador aos riscos ergonômicos e organizacionais. Por isso, vemos esse aumento de doenças osteomusculares, do tecido conjuntivo e ligadas a transtornos mentais e comportamentais”, explica o psicólogo André Luís Vizzaccaro-Amaral, coordenador do grupo temático “Trabalho e Saúde” da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (Abet).

Entretanto, a missão de entender a verdadeira relação entre adoecimento e home office não pode prescindir de uma análise contextual. O trabalho remoto não precisa ser sinônimo de sobrecarga. Muito pelo contrário. Um modelo capaz de economizar deslocamentos pode ser a solução para conferir maior eficácia no aproveitamento do tempo e no equilíbrio entre vida profissional e pessoal. “Dizer que o home office adoece e sobrecarrega os trabalhadores é recair no ludismo de achar que a máquina é quem oprime”, avalia o psicólogo Bruno Chapadeiro Ribeiro, professor adjunto do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).

À própria sorte

A compreensão de Chapadeiro reforça a ideia de que o problema pode não ser o home office, mas o home office pandêmico. O trabalho remoto compulsório, desprovido de suporte adequado, é o que de fato tem impactado a saúde dos trabalhadores. E isso passa pelo apoio insuficiente recebido pela classe trabalhadora por parte de organizações públicas e privadas. Aqui, a responsabilidade dos empregadores deve ser ressaltada.

Ao longo de 2020, diferentes pesquisas demonstraram que só uma pequena parte dos trabalhadores recebeu suporte das empresas na migração do escritório para casa. Um levantamento feito pela corretora americana Lockton, em dezembro, consultou quase 500 gestores brasileiros sobre as políticas aplicadas na pandemia. Apenas 27% deles haviam oferecido auxílio aos seus funcionários – incluindo questões ergonômicas, políticas de acompanhamento psicológico ou pagamento de despesas oriundas da atividade profissional.

Fica evidente, portanto, que uma fatia significativa dos profissionais em home office teve de achar as suas próprias soluções. E nem sempre foram as ideais. Isso é o que Sergio Amad Costa, professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FVG/EASP), chama de “home working”. Em um artigo sobre o tema, Amad destaca que o trabalhador exerce suas atividades de acordo com o contexto em que vive. Ou seja, é o home office possível, o teletrabalho “do jeito que dá”. Muitas vezes, realizado em local sem iluminação inapropriada ou uma cadeira propícia, aumentando o risco de doenças ocupacionais.

Enquanto a rotina profissional granjeou espaço nesse cenário complexo, a vida pessoal e o entretenimento ficaram quase restritos ao ambiente virtual. Isso explica, em parte, o aumento da jornada revelado pelos estudos ligados ao tema. Migrando de tela em tela ao longo do dia, o trabalhador está a um clique ou a uma aba de voltar a produzir. Quase o tempo todo. Não à toa, cerca de 58% dos brasileiros se sentem mais produtivos ou significativamente mais produtivos em home office. O dado é de uma pesquisa publicada em maio pela Fundação Dom Cabral, em parceria com a Grant Thornton Brasil. Na edição de 2020 do mesmo levantamento, esse índice havia ficado em 44%. A questão é entender qual o preço desse crescimento.

Adoecimento e home office: no corpo e na mente

A acomodação do paradigma remoto não é uma tarefa simples. André Vizzaccaro destaca que os trabalhadores foram submetidos a dois processos de transformação concomitantes: a desterritorialização e a destemporalização. “O primeiro se refere a uma confusão entre o espaço de trabalho e o espaço individual e familiar. Já o segundo leva a uma dificuldade de discernimento entre o tempo do trabalho e o tempo de vida do trabalhador”, diz ele. Ou seja, o empregado catapultado ao home office se viu diante do desafio de ressignificar seu lar e seu dia, em razão de um extravasamento dos limites do trabalho.

Não bastasse isso, a crise econômica e o temor pela contaminação de um vírus potencialmente mortal são elementos que concorrem para turbinar a tensão. O próprio desafio de lidar com um novo arranjo da rotina familiar entra nessa equação. É o que a psicóloga Fabiana Queiroga conceitua como “teletrabalho populoso”. “As dificuldades começam quando você precisa equilibrar o trabalho em casa com os filhos chorando, a aula das crianças, a administração do lar. É algo muito próximo do caos”, define Fabiana, uma das coordenadoras do Prolab Sustentável, grupo de pesquisa voltado à análise de fatores associados ao desempenho produtivo e sustentável no trabalho. 

A pesquisa “ProjeThos Covid-19”, dedicada ao tema da saúde do trabalhador na pandemia, identificou uma grande incidência de sentimentos ligados a medo, angústia, desgaste mental, sobrecarga emocional, fadiga, exaustão e perda da libido nos participantes. O levantamento incluiu professores, funcionários públicos, assistentes sociais, psicólogos, analistas de marketing, jornalistas, bancários e advogados. A pressão por resultados também faz parte dos relatos. “O ‘teleassédio moral” tem sido mencionado com frequência, principalmente por servidores públicos do judiciário”, revela Bruno Chapadeiro, que coordena o estudo ao lado das psicólogas Carmem Giongo e Karine Perez.

O impacto sobre o gênero feminino, com o acúmulo de atividades profissionais e cuidados da casa e da família, tende a ser mais acentuado. O Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo (FMUSP) realizou, entre maio e junho de 2020, um estudo com três mil voluntários homens e mulheres de todas as regiões do país. As mulheres foram as mais afetadas pela pandemia — 40% apresentaram sintomas de depressão, 35% de ansiedade e 37% de estresse. A International Stress Management Association (Isma-BR) também tem noticiado levantamentos sobre o agravamento da Síndrome de Burnout e da Burnout Mommy. A primeira não está relacionada ao gênero, mas a segunda pode ser uma consequência das diversas funções oneradas à mulher.

A solução híbrida

Existem duas armas para mitigar os desequilíbrios provocados pelo home office. O primeiro deles é a vacina. É preciso estourar definitivamente a bolha opressiva da pandemia para que uma realidade menos improvisada e limitante se estabeleça. Tudo indica que esse cenário manifestará elementos do velho normal com traços do atual sistema de trabalho. A ascensão do trabalho híbrido, uma divisão da rotina com alguns dias em casa e outros no escritório, deve amainar uma parte importante das pressões externas do home office.

A partir disso, é possível que floresçam, de forma mais evidente, os pontos positivos desse modelo para a saúde mental e física do trabalhador. Entre eles, Andé Vizzaccaro ressalta a diminuição dos acidentes de trajeto. O tempo e os recursos economizados com os deslocamentos podem ser dedicados a atividades com foco no bem-estar dos empregados. “Até mesmo a desterritorialização e a destemporalização do trabalho produzem efeitos positivos”, afirma o psicólogo, ao enfatizar a proximidade e o tempo com a família. Ou seja, o jogo pode virar.

Ainda assim, haverá cada vez mais empresas e trabalhadores que irão optar por permanecer apenas no sistema remoto. Aqui, faz-se necessária uma mobilização por parte da classe trabalhadora e de seus entes protetivos, com o intuito de assegurar o respeito à saúde dos profissionais. Sem a fiscalização dos trabalhadores, por meio dos sindicatos e dos órgãos públicos, como o Ministério Público do Trabalho, os desequilíbrios tendem a aumentar e a se agravar. Formas antigas de exploração e precarização, portanto, já viriam embarcadas nos novos modelos. “Caso não tenhamos no horizonte a discussão das transformações da organização do trabalho, pouco importa se o sistema será presencial, home office ou híbrido”, alerta Bruno Chapadeiro.

Nesse sentido, a seção #ODT (O Direito Transforma) irá aprofundar o tema da atuação dos sindicatos para uma consolidação benéfica do paradigma híbrido. Essa será a pauta de agosto do Especial Trabalho Híbrido.

Até lá!

#ODT (O Direito Transforma) é a seção do Ecossistema Declatra voltada para a publicação de artigos e matérias que abordam as mudanças que estão em curso no mundo jurídico e a importância do poder transformador do direito. Para dúvidas e comentários, entre em contato.

Especial Trabalho Híbrido – O desafio da sustentabilidade

Trabalho Híbrido

A rotina corporativa nunca mais será a mesma para boa parte das pessoas. O trabalho híbrido, que prega a alternância entre as atividades presenciais e remotas, desponta como a ordem das empresas para o pós-pandemia. A missão, agora, é aparar arestas para que o novo paradigma se torne sustentável não apenas aos empregadores.

Por Emanuel Neves

O ano é 1913. Em Highland Park, estado de Michigan (EUA), o americano Henry Ford engendra um estilo de produção padronizado e semiautomatizado que revoluciona o mercado automobilístico. O fordismo e suas linhas de montagem passam a ditar o tom da indústria de consumo ao longo do século 20, transformando a marca Ford em sinônimo de solidez e tradição. Em maio de 2021, o mundo corporativo em nada se parece com aquele de quase 110 anos atrás. A digitalização dos processos mudou o jeito de fazer as coisas, seja dentro ou fora das empresas, em pequenas ou grandes corporações. As plantas industriais da Ford seguem parindo automóveis, numa orquestração agora regida em parceria com a Inteligência Artificial. Já os seus escritórios ao redor do mundo estão vazios. A companhia anunciou que seus 30 mil funcionários administrativos irão trabalhar de casa. Sem prazo para voltar. É provável, inclusive, que jamais retomem a rotina diária de ocupar os seus postos. Irão à empresa em situações especiais. Ou quando assim quiserem.

A Ford é mais uma das gigantes mundiais que se rende a uma nova revolução laboral – chamada de trabalho híbrido. Essa abordagem tem como principal característica a realocação do espaço produtivo. A estrutura das empresas perde a prerrogativa de ser o único cenário do trabalho. Agora, esse ambiente estará cada vez mais concentrado nos lares dos empregados. Os escritórios continuam úteis, mas sua função será adaptada. No paradigma híbrido, eles representam uma ferramenta de convivência para profissionais que se relacionam majoritariamente de forma virtual. 

Trabalho híbrido: tendência global

O surgimento do trabalho híbrido não foi arquitetado pela mente de algum luminar da gestão. Trata-se de uma acomodação rápida e orgânica aos primeiros impactos causados pela pandemia. A empresa híbrida teve o seu DNA modificado pelo coronavírus. O trabalho remoto tornou-se refúgio e fiador da economia quando a Covid-19 espalhou-se pelo mundo, logo no começo de 2020. Antes da crise sanitária, cerca de 11% das pessoas atuavam em home office. Hoje, esse percentual está em 50%. O dado é de um levantamento global da Willis Towers Watson, uma empresa de gerenciamento de risco e recursos humanos. No Brasil, há uma discrepância de números. o percentual absoluto parece ser menor, ficando na casa de 9% nos últimos meses de 2020, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

A pesquisa da Willis Towers Watson aponta que o contingente global em home office não deve baixar de 33% após a pandemia. O Facebook, por exemplo, pretende ter 50% de seus funcionários trabalhando de maneira remota até 2030. Já a Alphabet, holding controladora do Google, mantém apenas 5% dos funcionários concentrados no campus da empresa, em San Francisco. Os demais estão em casa. Por aqui, o banco BMG reduziu um terço da estrutura física de sua sede, localizada em São Paulo. Os 900 funcionários farão rodízio nas 368 estações de trabalho, revezando-se entre as atividades remotas e in loco. Eles irão reservar suas mesas por um aplicativo de celular. Já há quem chame isso de “hotelização dos escritórios”. As grandes corporações puxam a fila da mudança. Mas o modelo híbrido deve chegar à maior parte dos negócios que podem prescindir da presença física.

Medidas assim se devem, sobretudo, à boa performance averiguada pelas empresas no processo de adaptação ao home office. No Brasil, os resultados obtidos com o trabalho remoto em 2020 superaram as expectativas dos gestores em 94% dos casos. O número é de uma pesquisa feita pela Fundação Instituto de Administração (FIA). Por desempenho, entende-se a manutenção ou elevação da produtividade e a redução de custos. Esses fatores propiciaram uma mudança de visão dos empresários em relação ao home office. 

Home office: o preço da performance

Até o choque da transformação digital ocorrido com a pandemia, o entendimento geral do mercado era diferente. O trabalho remoto, via de regra, era encarado como um benefício extraordinário oferecido aos empregados – especialmente ao público feminino. Mas havia uma resistência por parte dos empregadores quanto a uma possível perda de controle sobre o capital humano. “O home office já vem sendo estudado há muito tempo como uma opção viável e até desejável. Esse modelo, por si, não é bom nem ruim. Vai depender da forma como é aplicado”, explica a psicóloga Fabiana Queiroga, ex-presidente da Associação Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho (SBPOT). Atualmente, ela se dedica ao estudo de temas ligados à transformação do trabalho na universidade de Côte D’Azur, na França. 

O ponto levantado por Fabiana é fundamental para uma análise do atual processo de evolução do teletrabalho para o modelo híbrido. Embora traga vantagens evidentes, como maior flexibilidade de horários e redução dos deslocamentos, o sistema guarda alguns riscos aos trabalhadores. E isso tem muito a ver com o caráter emergencial e compulsório da sua aplicação. A instabilidade do contexto de exceção que tornou o home office ostensivo pode estar por trás da alta performance aferida em 2020.

Isso porque a pandemia virou sinônimo de mais trabalho para quem se fechou em casa. Em média, duas horas a mais por dia na Europa e três nos EUA, de acordo com dados da NordVPN – empresa que fornece serviços de comunicação corporativa. No Brasil, cerca de 46% dos trabalhadores consultados por uma pesquisa do Centro de Inovação da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV-EAESP) apontaram aumento do trabalho. E 56% disseram ser difícil equilibrar as atividades profissionais e pessoais no home office. 

A crise econômica e o medo em relação ao novo momento entram nessa equação. No Brasil, por exemplo, a taxa de desemprego está acima de 14% da população economicamente ativa. Cerca de 28% dos brasileiros que estão trabalhando mais justificaram esse acréscimo pela necessidade de mostrar serviço, já que o supervisor pode não notá-los. O dado é de um estudo sobre produtividade e home office feito pela Fundação Dom Cabral. “O medo de perder o sustento foi exacerbado, fazendo com que não se questione exigências esdrúxulas. A produtividade aumentou a custo de um adoecimento muito grande”, define Fabiana Queiroga, que também é coordenadora do Prolab Sustentável, um grupo de pesquisa voltado à análise de fatores associados ao desempenho produtivo e sustentável no trabalho. 

De fato, a carga de trabalho e a dependência do uso de telas para comunicação criaram novos quadros de estresse – como a Fadiga do Zoom, um tipo de esgotamento relacionado ao excesso de videoconferências. Já um estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) apontou um aumento de 80% dos casos de ansiedade no país. Os números acompanham um ritmo de crescimento das doenças psicológicas verificado nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Outro item importante se refere aos custos do trabalho remoto. Uma parte substancial desses gastos foi transferida aos trabalhadores. Cerca de 57% dos empregados brasileiros passaram a usar os seus próprios equipamentos no teletrabalho da pandemia. E 68% não receberam auxílio da empresa para esse item. A constatação é de uma pesquisa do DataSenado, feita com 5 mil pessoas. O Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), criou a “cesta home office” para calcular o preço de trabalhar de casa. O levantamento incluiu despesas com água, luz, celular, internet e alimentação, entre outros. Gastos assim podem elevar a conta mensal dos funcionários em até 25%. Dependendo da configuração familiar, o home office chega a representar 35% do orçamento da casa.

Trabalho Híbrido: A nova queda de braço

O ônus do home office, entretanto, não desabona os benefícios trazidos por esse modelo. Tanto que a maior parte das pessoas quer seguir trabalhando assim. Mas não todos os dias. Cerca de 81% dos entrevistados por uma pesquisa da Universidade Harvard Business School disseram querer continuar em home office após a pandemia. A maioria deles (61%) prefere o sistema híbrido, com a possibilidade de ir ao escritório alguns dias por semana. É um resultado semelhante ao detectado no Brasil, onde 66% dos funcionários de pequenas e médias empresas querem o modelo misto. Os turnos presenciais conservam o fator de sociabilização e de criação de vínculos trazidos pela convivência com os colegas.

A busca por um maior equilíbrio entre a rotina profissional e a vida pessoal justifica a inclinação dos trabalhadores pela adoção do trabalho híbrido. Ou seja, ao menos conceitualmente, patrões e empregados convergem para o novo modelo. O desafio, a partir de agora, está na construção de um equilíbrio de forças. A sustentabilidade pode transformar o novo modelo numa solução ideal. Mas essa missão tem lá os seus obstáculos para a classe trabalhadora – especialmente no Brasil. “O home office não é a panaceia para os problemas do trabalho. Existe a necessidade de regular essa atividade. As empresas vão tentar instrumentalizar isso de acordo com a sua conveniência”, avisa o sociólogo Ruy Braga, professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em sociologia do trabalho.

A ascensão do sistema híbrido não está alijada da dicotomia entre trabalho e capital que é intrínseca aos modelos do passado. O que desponta é a demanda por uma reinterpretação desse cabo de guerra. E isso passa, necessariamente, pela mediação do poder público. “O problema é que o governo brasileiro atende a uma agenda de antirregulação”, analisa Braga. “É preciso atentar para pontos que podem levar a uma extensão da jornada de trabalho, a cortes de benefícios trabalhistas e à dificuldade da negociação coletiva. É uma tarefa da justiça”.

Mobilização necessária

No Brasil, a busca pela sustentabilidade do modelo híbrido ganha contornos mais complexos em razão das recentes transformações em âmbito trabalhista. As entidades ligadas aos polos protetivos do trabalho ainda tentam encontrar caminhos para lidar com os impactos nocivos da Reforma Trabalhista, instituída em 2017. Por esse viés, o caráter individualizante do home office e do sistema híbrido pode representar um enfraquecimento ainda maior dos vínculos empregatícios e da aglutinação das forças do trabalho. A Receita Federal recebeu a inscrição de 1,8 milhão de novos Microempreendedores Individuais (MEIs) em 2020. É um acréscimo de 20% sobre o ano anterior.

O novo arranjo trabalhista, entretanto, enseja uma oportunidade de reorganização dos sindicatos, combalidos pelo esvaziamento imposto nos últimos anos. Ruy Braga aponta o sindicalismo bancário, com sua força de articulação e de pleito, como a célula capaz de puxar a fila das mobilizações e tornar-se referência em meio ao cenário de mudança. As entidades representativas do magistério também figuram nessa linha de frente. 

A educação, aliás, sofre um duplo reflexo do trabalho híbrido. O primeiro se refere à adaptação açodada dos professores a um novo modelo de aprendizagem. Um levantamento feito pelo sindicato dos professores do Rio Grande do Sul (CPRS), a partir de dados do Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), apontou que o home office aumentou a carga de trabalho para 98% dos docentes. Cerca de 40% deles nem sequer tinham internet na velocidade adequada para as aulas online. O outro parâmetro diz respeito à mudança da própria formação profissional. Ou seja, um novo paradigma de trabalho exige um novo tipo de capacitação.

Limites, discrepâncias, readequações, novas forças: de ponta a ponta, o processo de transformação do cenário produtivo proporcionado pelo trabalho híbrido suscita debates e análises. A seção #ODT (O Direito Transforma) irá aprofundar algumas dessas pautas nas próximas matérias do especial. Em junho, o tema será a o adoecimento e o desgaste dos profissionais impostos ao home office no cenário de pandemia.

Até lá!

#ODT (O Direito Transforma) é a seção do Ecossistema Declatra voltada para a publicação de artigos e matérias que abordam as mudanças que estão em curso no mundo jurídico e a importância do poder transformador do direito. Para dúvidas e comentários, entre em contato.

A redução da jornada de trabalho de familiares de pessoas com deficiência

Maria Vitória Costaldello Ferreira de Almeida, advogada do escritório Gonçalves, Auache, Salvador, Allan & Mendonça (Gasam) 

 

Familiares de pessoas com deficiência enfrentam grande dificuldade para compatibilizar seus horários de trabalho com os cuidados que os entes queridos demandam em seu atendimento. 

Os servidores públicos federais, aqueles submetidos ao regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, têm a garantia expressa de redução da jornada de trabalho sem redução salarial nestes casos, conforme autorização do art. 98, §2º da Lei n. 8112/90. A princípio, basta o requerimento administrativo para concessão do benefício. 

Os servidores estaduais e municipais, por sua vez, estão vinculados aos estatutos locais e, a depender das leis que os institui, pode haver a garantia da redução de jornada sem redução de salário para o cuidado de familiares com deficiência. 

O Estado do Paraná, por exemplo, regulamentou por meio do Decreto Estadual n. 3003 de 2015, dispositivo do Estatuto da Pessoa com Deficiência do Estado do Paraná (Lei n. 18.419/2015) e, hoje, permite a redução da jornada de trabalho ao “funcionário ocupante de cargo público ou militar, que seja pai ou mãe, filho ou filha, cônjuge, companheiro ou companheira, tutor ou tutora, curador ou curadora ou que detenha a guarda judicial da pessoa com deficiência congênita ou adquirida, de qualquer idade, a redução da carga horária semanal de seu cargo, sem prejuízo de remuneração” (artigo 63). 

O mesmo ocorre no Município de Curitiba. A Lei Municipal n. 14.430/2014, autoriza que os “os servidores públicos municipais que sejam genitores, curadores ou responsáveis legais, a qualquer título, por pessoa com deficiência, o direito de serem dispensados do cumprimento de parte da respectiva jornada de trabalho, sem prejuízo do seu vencimento e demais vantagens fixas”. A redução poderá corresponder a até 50% da carga horária semanal. 

Assim, servidores estaduais e municipais precisam consultar os seus estatutos e verificar se existe norma específica prevendo a redução da jornada de trabalho. Um(a) advogado(a) pode auxiliar nessa busca. 

Já os empregados em geral, que têm seus contratos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tanto de empresas privadas, quanto daquelas integrantes da administração pública indireta (sociedades de economia mista ou empresas públicas, como COPEL, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, etc.), não possuem qualquer garantia na lei, de forma, expressa de redução da jornada de trabalho para acompanhar familiares com deficiência. No entanto, há alternativas para essas pessoas. 

Acordos ou convenções coletivas, negociadas pelos Sindicatos da categoria, ou até normas internas das empresas, podem assegurar esse direito. Assim, vale consultar o Sindicato e verificar a existência desse direito.

Para além disso, a Justiça do Trabalho, em decisões recentes, vem determinando a redução da jornada de empregados aplicando analogicamente a Lei n. 8112/90 e diretamente normas internacionais, constitucionais e infraconstitucionais específicas de proteção à família, à criança e às pessoas com deficiência.  

Em decisão recente, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas-SP) confirmou a decisão de primeira instância que reduziu em 1/3 a caga horária de trabalho de uma empregada para cuidar de seu filho que possui cegueira nos dois olhos, sem redução de salário.

Por sua vez, o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (Espírito Santo) determinou a redução da jornada de trabalho, sem redução de salário, de empregada dos Correios para cuidar de sua filha portadora de esclerose tuberculosa.

Há diversas outras decisões nesse sentido, sendo perfeitamente possível que empregados submetidos à CLT busquem na Justiça do Trabalho, por meio de um processo judicial, a redução da jornada de trabalho sem redução salarial para acompanhar familiares com deficiência. 

 

Foto: Freepik

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Licença maternidade, licença paternidade, estabilidade e direitos da gestante e da lactante

Maria Vitória Costaldello Ferreira de Almeida, advogada do escritório Gonçalves, Auache, Salvador, Allan & Mendonça (Gasam) 

A licença maternidade  e os demais direitos dos pais e mães trabalhadoras como os conhecemos hoje são conquistas recentes. Embora ainda estejamos muito longe de outros países, a Constituição e as leis brasileiras garantem alguma proteção às gestantes, aos pais e mães e às lactantes. 

 

 De início é importante destacar que é crime a exigência, pelo empregador, de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez, conforme estabelece a Lei n. 9.029/1995. Se o empregador exigir quaisquer desses procedimentos, procure seu sindicato ou advogado(a) de sua confiança. 

As gestantes têm estabilidade no emprego desde a confirmação da gravidez até 5 meses após o parto. Ou seja, não podem ser demitidas neste período, a não ser que cometam alguma falta grave o suficiente que caracterize justa causa. Mesmo que a gestante esteja no aviso prévio, no período de experiência ou tenha sido contratada por prazo determinado não poderá ser demitida após a confirmação da gravidez. O fato de o empregador não saber que a mulher está grávida não é suficiente para justificar a dispensa, que será ilegal.  

Se a gestante for dispensada, poderá entrar na Justiça para ser reintegrada ou, se preferir, receber os salários e todos os direitos a que teria direito até o fim da estabilidade. Além disso, poderá requerer no processo judicial uma indenização pelos danos morais sofridos.  

A empregada gestante, no curso da gravidez, tem direito à transferência de função, quando as condições de saúde o exigirem, assegurada a retomada da função anteriormente exercida, logo após o retorno ao trabalho e a dispensa do horário de trabalho pelo tempo necessário para a realização de, no mínimo, seis consultas médicas e demais exames complementares.  

Mediante atestado médico, a mulher grávida poderá romper o contrato de trabalho que for prejudicial à gestação, o que significa que não será considerado pedido de demissão, mas que a mulher dará justa causa ao empregador. 

Em caso de aborto, a mulher terá direito a afastamento de 2 semanas. 

A licença maternidade é garantida às mulheres pelo período de 120 dias após o parto. Esse período poderá ser aumentado em 2 semanas antes e/ou depois do parto, mediante atestado médico. 

As mulheres que adotam têm direito ao mesmo período de 120 dias de licença a partir da concessão da guarda provisória. 

A licença maternidade poderá ser de 180 dias caso a empresa seja participante do programa empresa cidadã instituído pela Lei n. 14.770/2008. 

Durante a licença a mulher tem direito a receber  o salário integral. Se for variável, será calculado de acordo com a média dos últimos 06 (seis) meses.  

A licença paternidade é, por óbvio, direito do pai de poder acompanhar e participar dos primeiros dias de vida do bebê. É, no entanto, também e em mesmo grau, direito da mãe que, normalmente após o parto, passa por um período bastante turbulento para se adaptar à nova rotina, amamentar e enfrentar o puerpério, razões pelas quais precisa dividir as tarefas de cuidado com o recém-nascido e com a vida doméstica com pai. 

No Brasil, ela é de apenas 05 (cinco) dias, podendo ser prorrogada para 20 (vinte) dias se a empresa for participante do programa empresa cidadã instituído pela Lei n. 14.770/2008. 

Após o retorno ao trabalho, a mulher possui alguns direitos relativos à amamentação.  

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno exclusivo até os 06 meses de idade e prolongado até pelo menos 24 meses. De acordo com o órgão internacional, a amamentação exclusiva por seis meses protege a criança contra infecções gastrointestinais e desnutrição. O leite materno é capaz de suprir a metade ou mais das necessidades de energia de uma criança entre 06 e 12 meses e um terço entre 12 e 24 meses. 

De todo o modo, amamentar, ou não, é uma escolha individual da mulher, e ao empregador e à sociedade cabe apenas garantir que esse direito seja exercido de forma segura e plena. Mas mesmo aquelas que, por escolha ou necessidade, oferecem leite artificial, têm igualmente esse direito.

A lei garante à mãe, inclusive adotiva, dois intervalos de 30 minutos cada para alimentar seu filho até que ele complete 06 meses de idade, podendo esse período ser prorrogado.  

Por fim, é importante destacar que, por ora, por decisão do Supremo Tribunal Federal, está vedada à empregada  gestante à lactante o  trabalho em atividades insalubres, em qualquer grau, durante a gravidez e o período de amamentação.  

 

Foto: Freepik

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Assédio Moral nas relações de trabalho

Priscilla Tiemi Mitiura Tsubouchi, advogada do escritório Gonçalves, Auache, Salvador, Allan & Mendonça (Gasam) 

 

Com a instauração de ambientes de trabalho agressivos, fundados em relações competitivas, o assédio moral tem se constituído no objeto de diversas demandas judiciais. 

Por este motivo, mostra-se imprescindível disponibilizar o acesso a informações claras e objetivas acerca do assunto, até mesmo para que os interessados possam ter em mãos instrumentos – judiciais ou não, dos quais possam se utilizar na tentativa de frustrar condutas das quais são (ou podem vir a ser) vítimas em potencial. 

Conceito 

O assédio moral no ambiente de trabalho pode ser definido como sendo a exposição dos trabalhadores a situações humilhantes, constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.  

Limites ao poder do empregador 

Hoje em dia, a tese de defesa que comumente os empregadores se utilizam para legitimar as condutas abusivas e afastar eventual condenação judicial no que se refere ao assédio moral se resume ao poder diretivo que detém, ou seja, de determinar o modo como a atividade do empregado, em decorrência do contrato de trabalho, deve ser exercida. 

Todavia, importante ressaltar que, apesar de legítimo no ordenamento brasileiro, este poder é passível de limitações, já que seu exercício deve respeitar os direitos da personalidade do empregado, que então correspondem aos direitos mínimos que asseguram a sua dignidade como pessoa humana e que, como tais, são personalíssimos, irrenunciáveis e inalienáveis. 

Exemplos práticos 

Na prática, o assédio moral pode se manifestar tanto de forma interpessoal quanto organizacional (coletivo) 

Na primeira, o assédio ocorre com determinada pessoa. A agressão tende a se dar de forma direta, quando a vítima passa a ser alvo de xingamentos, piadas, fofocas e alcunhas no ambiente de trabalho ou de forma indireta, quando a mesma passa a ser excluída de atividades coletivas, como reuniões, ou mesmo da percepção de benefícios que são estendidos aos demais funcionários. 

Por outro lado, no assédio organizacional, o gestor ou a organização faz uso de medidas vexatórias e constrangedoras para, por exemplo, cobrar produtividade a partir da fixação de metas abusivas de um grupo de pessoas. 

Seja através do primeiro ou do segundo caso, a gravidade da conduta assediadora é a mesma e não pode ser ignorada. 

 

Consequências das práticas assediadoras 

É de suma importância descrever as reais consequências que o assédio moral pode desencadear, pois, ainda que difíceis de serem quantificadas ou qualificadas são elas que embasam e fundamentam o anseio social e premente por medidas preventivas ou mesmo jurídicas que venham a tutelar as relações trabalhistas neste sentido.  

O assédio moral suscita males dos mais diversos nos indivíduos que a ele são submetidos. Seus desdobramentos não se atêm à esfera do agredido, comprometendo particularmente a sua saúde física e mental, mas também vem a lançar seus reflexos sobre as pessoas com os quais o mesmo se relaciona, e até mesmo em âmbito social, na medida em que alguns casos ensejam, diante de sua gravidade, a percepção de benefício previdenciário. Ademais, os danos ocasionados podem, ainda, perpetuar a sujeição do indivíduo a tratamentos psicológicos, os quais demandam tempo e dinheiro e nem sempre apresentam garantias de sucesso na reabilitação da vítima. 

a) Para o empregado 

Pontua-se que, além de todos os prejuízos financeiros que vem a suportar, no que tange à sua saúde, são inúmeros os danos físicos e psicológicos que o empregado poderá desenvolver. Constata-se que, neste caso, as doenças físicas decorrem das enfermidades psicológicas, a exemplo dos distúrbios de sono, do estresse, da ansiedade, da depressão, os quais predispõem a vítima a problemas de ordem fisiológica, como disfunções de natureza cardíaca, endócrina e digestiva.  

No entanto, é importante destacar que se faz necessário a análise de elementos que comprovem a duração do assédio; a intensidade da agressão e a vulnerabilidade da vítima para que a gravidade das consequências à saúde do trabalhador possa ser mensurada. Quanto maior a exposição da vítima ao assédio, maiores serão os danos ocasionados e, portanto, menores serão as chances de reabilitação pessoal e social. 

b) Para o empregador 

É ingenuidade imaginar que somente a vítima do assédio moral suportaria todas as consequências que o mesmo emana, até porque as perdas referentes à empresa podem assumir proporções significativas ao ponto em que os reflexos sofridos não poderiam ser meramente negligenciados pelo empregador. 

O desgaste psicológico do funcionário compromete seu desempenho laborativo, culminando com a queda da produtividade e lucratividade da empresa. As pessoas precisam estar bem para produzir bem. Ademais, até mesmo a perda do emprego pelo assediado institui complicações de ordem financeira ao empregador, pois prejudica a rotatividade da produção empresarial, já que tal situação obriga à contratação de novos empregados os quais terão de se adaptar à rotina laboral – o que demanda tempo – antes de serem considerados efetivamente mão-de-obra produtiva. 

Neste sentido, também é importante salientar que, acidentes de trabalho que advenham do comprometimento físico ou psicológico do trabalhador que esteve sujeito à violência moral, serão de responsabilidade do empregador, o qual tem o dever de arcar com todas as indenizações decorrentes da rescisão contratual. 

 

Medidas preventivas 

O processo de erradicação do fenômeno não deve ocorrer somente em âmbito jurídico, pois, como já foi explicitada, a punição do agressor nem sempre é acompanhada da efetiva reabilitação da vítima. Antes de prestar socorro ao agredido, faz-se primordial evitar que o assédio se instale e suscite lesões a mesma. O combate à violência moral faz-se premente e deve ser observada em sua origem, mediante a comunhão do Estado, dos sindicatos, das empresas e dos trabalhadores com o escopo de elaborar medidas preventivas. 

Inicialmente, a prevenção do fenômeno deve ocorrer em âmbito coletivo. É preciso que os dirigentes de empresas, os políticos e os governantes mostrem-se sensíveis ao sofrimento dos trabalhadores e a este tema, pois somente a tomada de consciência coletiva e multidisciplinar em todos os níveis poderá apontar soluções.  

Aos representantes sindicais, cabe uma atuação mais concreta, como a prestação de assistência às vítimas e a realização de trabalho efetivo na coleta de provas, evitando quaisquer retaliações por parte dos acusados, e garantindo, sobretudo, a confidencialidade do procedimento. 

Quanto ao empregador, a este compete a implantação de mecanismos que possibilitassem aos agredidos a denúncia ao assédio de modo que houvesse a punição efetiva do agressor na empresa e a concomitante aplicação de medidas que estimulassem o bem-estar dos trabalhadores no ambiente de trabalho. 

No plano mundial, a instalação de sistemas de comunicação entre os diferentes países para a observância de métodos e medidas comuns, ou mesmo o seu compartilhamento, que visem ao socorro das vítimas seria de grande relevância internacional na propagação da conscientização acerca do assédio moral. 

 Em suma, para o enfrentamento do fenômeno, faz-se necessário um trabalho interdisciplinar, envolvendo médicos do trabalho, psiquiatras, psicólogos, assistente social, sociólogos, sindicalistas, advogados, trabalhadores e a sociedade, os quais, de forma conjunta e solidária com os representantes dos órgãos públicos, adotem mecanismos que atentem para o problema, com a imposição de limites ao poder diretivo do empregador, bem como a conscientização do fenômeno à população e a efetiva punição dos responsáveis pela violência em âmbito público e privado. 

Tutela Jurisdicional 

Tendo em vista que a Constituição Federal estabelece como fundamentos da República a dignidade da pessoa humana e os valores sociais relativos ao trabalho, na medida em que assegura a saúde como direito fundamental e coloca o trabalho como base da ordem social, o empregador, ao contratar o empregado, tem o dever de proporcionar condições de trabalho que não sejam incompatíveis com o seu direito à vida e à higidez física e mental e nem com a sua dignidade pessoal e profissional.  

O descumprimento, por parte do empregador, de tais obrigações caracteriza não apenas a violação das normas jurídicas como também o descumprimento de suas obrigações contratuais, o que pode ensejar uma ação de rescisão indireta do contrato de trabalho, eis que configurada a justa causa do empregador, nos termos do art. 483 da CLT, ou ainda – caso o contrato já tenha sido encerrado – uma ação pleiteando uma indenização por danos morais, em razão da conduta patronal, seja ela pelo assédio moral direito (interpessoal) ou indireto (organizacional). 

 

Foto: Freepik

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Índice de correção monetária dos débitos trabalhistas

Vinícius Gozdecki, advogado do escritório Gonçalves, Auache, Salvador, Allan & Mendonça (Gasam) 

Atualmente ainda há insegurança jurídica em diversos Tribunais Regionais do Trabalho no tocante ao índice de correção monetária a ser aplicado aos débitos trabalhistas.  

A reforma trabalhista, ocorrida em novembro de 2017, poderia pôr fim ao debate, mas apenas acrescentou um novo capítulo na história. A Lei nº 13.467/2017 (reforma trabalhista) inseriu o parágrafo 7º no artigo 879 da Consolidação das Leis do Trabalho, o qual estabeleceu que a “atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial será feita pela Taxa Referencial (TR), divulgada pelo Banco Central do Brasil, conforme a Lei nº 8.177, de 1º de março de 1991.” 

Contudo, o Supremo Tribunal Federal (STF), em 05 de dezembro de 2017, julgou improcedente a Reclamação Constitucional nº 22012, revogando a liminar anteriormente deferida que havia suspendido a decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que determinou que o índice utilizado para a atualização dos débitos trabalhista é o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). 

Importante destacar que o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (Paraná) considerou inconstitucional o parágrafo 7º do art. 879 da CLT, tendo em vista que o Tribunal Superior do Trabalho, em agosto de 2015, declarou inconstitucional a aplicação da Taxa Referencial para corrigir os débitos trabalhistas. 

Observa-se que este é um dos pontos questionados da reforma trabalhista, uma vez que incluiu o referido parágrafo que não possuía caráter constitucional há mais de 2 anos.  

No tocante ao projeto da reforma trabalhista, o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) apresentaram uma nota pública abordando que “a reforma é açodada, carente da participação adequada de todos os segmentos sociais envolvidos”1, bem como que as audiências públicas que ocorreram “durante a tramitação do projeto demonstraram categoricamente que o texto a votar está contaminado por evidentes e irreparáveis inconstitucionalidades, formais e materiais, e retrocessos de toda espécie”. 

Outra questão que ainda apresenta certa insegurança jurídica refere-se ao período de início da aplicação do IPCA-E. Em determinado momento havia entendimento de que o referido índice deveria ser aplicado a partir de 25 de março de 2015. 

Contudo, em 03 de outubro de 2019, o STF proferiu decisão no sentido de aplicar o IPCA-E em correção monetária desde o mês de junho de 2009. 

É importante observar que a referida decisão do STF em controle difuso de constitucionalidade deve ser aplicada de ofício, com efeito vinculante para todo o poder judiciário, tendo em vista o preenchimento do requisito da repercussão geral para admissibilidade do recurso extraordinário pelo Supremo. 

Merece destacar que até a Medida Provisória nº 905 de 2019 objetivava alterar o parágrafo 7º do artigo 879 da CLT. A redação estabelecia que a “atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial será feita pela variação do IPCA-E, ou por índice que venha substituí-lo, calculado pelo IBGE, que deverá ser aplicado de forma uniforme por todo o prazo decorrido entre a condenação e o cumprimento da sentença”.  

Importante lembrar que o Ministro Gilmar Mendes, em junho/2020, proferiu decisão na Ação Declaratória de Constitucionalidade 58/DF com a seguinte determinação: 

Ante o exposto, defiro o pedido formulado e determino, desde já, ad referendum do Pleno (art. 5º, §1º, da Lei 9.882 c/c art. 21 da Lei 9.868) a suspensão do julgamento de todos os processos em curso no âmbito da Justiça do Trabalho que envolvam a aplicação dos artigos arts. 879, §7, e 899, § 4º, da CLT, com a redação dada pela Lei nº 13.467/2017, e o art. 39, caput e § 1º, da Lei 8.177/91. (grifos no original) 

Após, em julho/2020, esclareceu que: 

Para que não paire dúvidas sobre a extensão dos efeitos da decisão recorrida, esclareço mais uma vez que a suspensão nacional determinada não impede o regular andamento de processos judiciais, tampouco a produção de atos de execução, adjudicação e transferência patrimonial no que diz respeito à parcela do valor das condenações que se afigura incontroversa pela aplicação de qualquer dos dois índices de correção. 

Em inúmeras ações trabalhistas, principalmente nas ajuizadas por trabalhadores da categoria bancária, os réus defendem que a TR deve ser aplicada em todo o período, sucessivamente, argumentam que a aplicação da TR deve ocorrer até 24 de março de 2015 (em razão da decisão do TST), alterando para o IPCA-E de 25 de março de 2015 até 10 de novembro de 2017 (em razão da redação da reforma trabalhista) e o retorno da TR a partir de 11 de novembro de 2017. 

No entanto, em razão dos fatos supramencionados, não há razão jurídica para que o IPCA-E seja aplicado apenas em determinado período.   

Ao corrigir o débito trabalhista pela TR constata-se que não ocorre a efetiva recomposição do poder aquisitivo, tendo em vista que o IPCA-E é mais vantajoso, ou seja, restabelece o poder de compra do trabalhador.  Utilizando por analogia que “a execução trabalhista ocorre no interesse do credor” não há motivo para aplicar o índice que não seja vantajoso no momento mais esperado do processo, que corresponde a efetividade da execução.  

Além do mais, resta claro o enriquecimento ilícito do empregador, pois não há a recomposição totalitária das verbas que não foram quitadas de forma correta ao longo do contrato de trabalho.  

Há quem defenda que a aplicação do IPCA-E fará reduzir o poder econômico do empregador. Mas devemos lembrar que se a verba discutida na Justiça do Trabalho fosse paga de forma correta durante o pacto laboral, o empregador não teria esse “prejuízo”. Retomamos a famosa história de que “quem paga mal paga duas vezes”.  

Para a efetiva recomposição do valor devido, não há dúvida que os índices de correção monetária a serem adotados para os créditos trabalhistas deveriam ser aqueles definidos pelo IBGE, por intermédio do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). 

Contudo, na conjetura atual, os tribunais têm decidido pela atualização dos valores devidos nas ações trabalhistas com os índices da TR, resguardando o direito de ser discutido posteriormente à decisão final do ADC 58/STF, que definirá qual o índice que deverá ser utilizado para a recomposição monetária dos valores devidos, novo cálculo com o índice correto, e eventual pagamento das diferenças.

 

Foto: Freepik

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