Priscilla Tiemi Mitiura Tsubouchi, advogada do escritório Gonçalves, Auache, Salvador, Allan & Mendonça (Gasam)
Com a instauração de ambientes de trabalho agressivos, fundados em relações competitivas, o assédio moral tem se constituído no objeto de diversas demandas judiciais.
Por este motivo, mostra-se imprescindível disponibilizar o acesso a informações claras e objetivas acerca do assunto, até mesmo para que os interessados possam ter em mãos instrumentos – judiciais ou não, dos quais possam se utilizar na tentativa de frustrar condutas das quais são (ou podem vir a ser) vítimas em potencial.
Conceito
O assédio moral no ambiente de trabalho pode ser definido como sendo a exposição dos trabalhadores a situações humilhantes, constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.
Limites ao poder do empregador
Hoje em dia, a tese de defesa que comumente os empregadores se utilizam para legitimar as condutas abusivas e afastar eventual condenação judicial no que se refere ao assédio moral se resume ao poder diretivo que detém, ou seja, de determinar o modo como a atividade do empregado, em decorrência do contrato de trabalho, deve ser exercida.
Todavia, importante ressaltar que, apesar de legítimo no ordenamento brasileiro, este poder é passível de limitações, já que seu exercício deve respeitar os direitos da personalidade do empregado, que então correspondem aos direitos mínimos que asseguram a sua dignidade como pessoa humana e que, como tais, são personalíssimos, irrenunciáveis e inalienáveis.
Exemplos práticos
Na prática, o assédio moral pode se manifestar tanto de forma interpessoal quanto organizacional (coletivo)
Na primeira, o assédio ocorre com determinada pessoa. A agressão tende a se dar de forma direta, quando a vítima passa a ser alvo de xingamentos, piadas, fofocas e alcunhas no ambiente de trabalho ou de forma indireta, quando a mesma passa a ser excluída de atividades coletivas, como reuniões, ou mesmo da percepção de benefícios que são estendidos aos demais funcionários.
Por outro lado, no assédio organizacional, o gestor ou a organização faz uso de medidas vexatórias e constrangedoras para, por exemplo, cobrar produtividade a partir da fixação de metas abusivas de um grupo de pessoas.
Seja através do primeiro ou do segundo caso, a gravidade da conduta assediadora é a mesma e não pode ser ignorada.
Consequências das práticas assediadoras
É de suma importância descrever as reais consequências que o assédio moral pode desencadear, pois, ainda que difíceis de serem quantificadas ou qualificadas são elas que embasam e fundamentam o anseio social e premente por medidas preventivas ou mesmo jurídicas que venham a tutelar as relações trabalhistas neste sentido.
O assédio moral suscita males dos mais diversos nos indivíduos que a ele são submetidos. Seus desdobramentos não se atêm à esfera do agredido, comprometendo particularmente a sua saúde física e mental, mas também vem a lançar seus reflexos sobre as pessoas com os quais o mesmo se relaciona, e até mesmo em âmbito social, na medida em que alguns casos ensejam, diante de sua gravidade, a percepção de benefício previdenciário. Ademais, os danos ocasionados podem, ainda, perpetuar a sujeição do indivíduo a tratamentos psicológicos, os quais demandam tempo e dinheiro e nem sempre apresentam garantias de sucesso na reabilitação da vítima.
a) Para o empregado
Pontua-se que, além de todos os prejuízos financeiros que vem a suportar, no que tange à sua saúde, são inúmeros os danos físicos e psicológicos que o empregado poderá desenvolver. Constata-se que, neste caso, as doenças físicas decorrem das enfermidades psicológicas, a exemplo dos distúrbios de sono, do estresse, da ansiedade, da depressão, os quais predispõem a vítima a problemas de ordem fisiológica, como disfunções de natureza cardíaca, endócrina e digestiva.
No entanto, é importante destacar que se faz necessário a análise de elementos que comprovem a duração do assédio; a intensidade da agressão e a vulnerabilidade da vítima para que a gravidade das consequências à saúde do trabalhador possa ser mensurada. Quanto maior a exposição da vítima ao assédio, maiores serão os danos ocasionados e, portanto, menores serão as chances de reabilitação pessoal e social.
b) Para o empregador
É ingenuidade imaginar que somente a vítima do assédio moral suportaria todas as consequências que o mesmo emana, até porque as perdas referentes à empresa podem assumir proporções significativas ao ponto em que os reflexos sofridos não poderiam ser meramente negligenciados pelo empregador.
O desgaste psicológico do funcionário compromete seu desempenho laborativo, culminando com a queda da produtividade e lucratividade da empresa. As pessoas precisam estar bem para produzir bem. Ademais, até mesmo a perda do emprego pelo assediado institui complicações de ordem financeira ao empregador, pois prejudica a rotatividade da produção empresarial, já que tal situação obriga à contratação de novos empregados os quais terão de se adaptar à rotina laboral – o que demanda tempo – antes de serem considerados efetivamente mão-de-obra produtiva.
Neste sentido, também é importante salientar que, acidentes de trabalho que advenham do comprometimento físico ou psicológico do trabalhador que esteve sujeito à violência moral, serão de responsabilidade do empregador, o qual tem o dever de arcar com todas as indenizações decorrentes da rescisão contratual.
Medidas preventivas
O processo de erradicação do fenômeno não deve ocorrer somente em âmbito jurídico, pois, como já foi explicitada, a punição do agressor nem sempre é acompanhada da efetiva reabilitação da vítima. Antes de prestar socorro ao agredido, faz-se primordial evitar que o assédio se instale e suscite lesões a mesma. O combate à violência moral faz-se premente e deve ser observada em sua origem, mediante a comunhão do Estado, dos sindicatos, das empresas e dos trabalhadores com o escopo de elaborar medidas preventivas.
Inicialmente, a prevenção do fenômeno deve ocorrer em âmbito coletivo. É preciso que os dirigentes de empresas, os políticos e os governantes mostrem-se sensíveis ao sofrimento dos trabalhadores e a este tema, pois somente a tomada de consciência coletiva e multidisciplinar em todos os níveis poderá apontar soluções.
Aos representantes sindicais, cabe uma atuação mais concreta, como a prestação de assistência às vítimas e a realização de trabalho efetivo na coleta de provas, evitando quaisquer retaliações por parte dos acusados, e garantindo, sobretudo, a confidencialidade do procedimento.
Quanto ao empregador, a este compete a implantação de mecanismos que possibilitassem aos agredidos a denúncia ao assédio de modo que houvesse a punição efetiva do agressor na empresa e a concomitante aplicação de medidas que estimulassem o bem-estar dos trabalhadores no ambiente de trabalho.
No plano mundial, a instalação de sistemas de comunicação entre os diferentes países para a observância de métodos e medidas comuns, ou mesmo o seu compartilhamento, que visem ao socorro das vítimas seria de grande relevância internacional na propagação da conscientização acerca do assédio moral.
Em suma, para o enfrentamento do fenômeno, faz-se necessário um trabalho interdisciplinar, envolvendo médicos do trabalho, psiquiatras, psicólogos, assistente social, sociólogos, sindicalistas, advogados, trabalhadores e a sociedade, os quais, de forma conjunta e solidária com os representantes dos órgãos públicos, adotem mecanismos que atentem para o problema, com a imposição de limites ao poder diretivo do empregador, bem como a conscientização do fenômeno à população e a efetiva punição dos responsáveis pela violência em âmbito público e privado.
Tutela Jurisdicional
Tendo em vista que a Constituição Federal estabelece como fundamentos da República a dignidade da pessoa humana e os valores sociais relativos ao trabalho, na medida em que assegura a saúde como direito fundamental e coloca o trabalho como base da ordem social, o empregador, ao contratar o empregado, tem o dever de proporcionar condições de trabalho que não sejam incompatíveis com o seu direito à vida e à higidez física e mental e nem com a sua dignidade pessoal e profissional.
O descumprimento, por parte do empregador, de tais obrigações caracteriza não apenas a violação das normas jurídicas como também o descumprimento de suas obrigações contratuais, o que pode ensejar uma ação de rescisão indireta do contrato de trabalho, eis que configurada a justa causa do empregador, nos termos do art. 483 da CLT, ou ainda – caso o contrato já tenha sido encerrado – uma ação pleiteando uma indenização por danos morais, em razão da conduta patronal, seja ela pelo assédio moral direito (interpessoal) ou indireto (organizacional).
Foto: Freepik
[/et_pb_text][/et_pb_column][/et_pb_row][/et_pb_section]