No dia 10 de agosto, os olhos do país estavam voltados para o debate acerca da proposta de implementação do voto impresso, que transcorria na Câmara dos Deputados. A assembleia decidiu não acatar o projeto, sugerido pelo presidente Jair Bolsonaro. Pouco antes, contudo, os deputados e deputadas aprovaram uma outra pauta. Trata-se do substitutivo à Medida Provisória (MP) 1.045/21, um tema que recebeu menos destaque na mídia. O foco inicial da MP 1045 era o prolongamento do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (Pemer). Criado pelo Governo Federal, o Premer determina as medidas de flexibilização dos contratos de trabalho durante a pandemia. Entretanto, o texto recebeu uma série de outras medidas ligadas às leis trabalhistas. E todas elas são nocivas à classe trabalhadora. Tanto que o projeto já é considerado uma nova e nefasta Reforma Trabalhista.
É fundamental que trabalhadoras e trabalhadores entendam o teor da MP 1045 (PL 21, no Senado) e o prejuízo que representa aos seus direitos, se aprovado o Projeto de Lei de Conversão de Medida Provisória. A medida será analisada pelo Senado Federal e está na pauta desta quarta-feira, dia 01 de setembro, podendo passar por modificações. Assim, é importante haver uma mobilização de todos os movimentos organizados e da própria classe trabalhadora para resistir ao tema.
A seguir, #DQT (Direito de Quem Trabalha) explica os principais pontos da MP, com auxílio do advogado Humberto Marcial, do escritório Marcial, Pereira & Carvalho (MP&C), de Belo Horizonte (MG). Confira.
Prejuízos da MP 1045 aos trabalhadores
Primeiramente, vale frisarmos que a MP 1045 (PL 21) é de autoria do Poder Executivo. Ou seja, é um tema elaborado pelo Presidente da República, com colaboração do Ministério da Economia. O que era para ser um texto emergencial ganhou contornos prejudiciais aos trabalhadores. Isso se deu em razão da inserção dos chamados “jabutis”. Esse jargão político se refere à modificação do texto de um projeto de lei para colocação de pautas de interesse de um determinado grupo – ou que não foram debatidas amplamente, mas sempre fora do contexto e da intenção original do projeto.
É exatamente o caso da MP 1045 (PL 21). Entre outros prejuízos, a medida enfraquece instrumentos protetivos dos trabalhadores e debilita as condições tanto para o ingresso de jovens profissionais quanto para a recolocação dos mais experientes. Além disso, a normativa vai contra a fiscalização de irregularidades das empresas e cria entraves ao próprio acesso à Justiça do Trabalho, entre outros ataques. Veja cada um dos pontos abaixo.
Redução das horas extras
Um dos principais prejuízos da MP 1045 (PL 21) aos trabalhadores refere-se à diminuição do direito a horas extras para quem cumpre jornada especial de 6h. Esse é o caso, por exemplo, de toda a categoria bancária. Por lei, bancárias e bancários têm direito a receber adicional pelo excedente à sexta hora trabalhada.
Com a mudança proposta pela MP 1045, entretanto, haveria uma extensão da jornada para 8h sem que a sétima e a oitava horas fossem remuneradas com o percentual mínimo previsto na Constituição ou na norma coletiva. Isso porque o texto prevê a redução do valor dessas duas horas extras para 20% sobre o valor-base. Atualmente, as empresas devem pagar acréscimo de 50% sobre a hora excedente trabalhada de segunda a sábado – e 100% quando há trabalho no domingo.
No mesmo tema, a MP 1045 derrubou a jornada especial de 6h para trabalhadores de minas. Agora, a jornada dos mineiros pode chegar a até 12h.
Priore e a flexibilização de contratos
A MP 1045 prevê a criação de programas de estímulo à inserção e reinserção de pessoas no mercado de trabalho. É o caso do Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore). Essa ação tem foco na colocação de jovens de 18 a 29 anos e na abertura de oportunidades para pessoas acima dos 55 anos que estejam sem emprego há mais de um ano.
Os profissionais contratados pelo Priore receberão, no máximo, dois salários mínimos. Parte desse valor corresponderá ao Bônus de Inclusão Produtiva (BIP). O BIP é um valor que as empresas pagam e pode ser abatido da contribuição devida ao Sistema S. Isso pode chegar a 25% do salário mínimo (R$ 275, em valores de 2021). Já o prazo de contratação é de 24 meses.
Além disso, em caso de demissão, o profissional terá direito a apenas 20% de multa sobre o FGTS. Atualmente, a legislação trabalhista prevê multa de 40% para desligamento sem justa causa. Ou seja, é uma diminuição drástica do valor. As empresas também poderão readmitir funcionários do Priore que tiveram contratos de até seis meses. Isso favorece a utilização sazonal de mão de obra, contribuindo para a precarização.
O programa é válido apenas para novas vagas. As empresas poderão ter até 25% do quadro funcional contratados via Priore. Já a adesão pode ocorrer até três anos após a divulgação da MP 1045. Isto é, os seus impactos podem se estender por até cinco anos.
Diminuição do FGTS
O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) também é afetado pelo Priore. A legislação atual estipula que as empresas devem depositar 8% sobre o salário-base do trabalhador ou da trabalhadora para o fundo. O texto da MP 1045, entretanto, prevê a redução dessa alíquota para 2% para trabalhadores do Priore contratados por microempresas. Negócios de porte médio pagariam 4%. Já o fundo de garantia a ser pago pelas grandes empresas ficaria em 6%.
Neste caso, há decisão anterior do STF – Supremo Tribunal Federal, em caso similar, que entendeu que não poderia haver diferenciação de recolhimento de FGTS, diante do princípio da isonomia. Isso impede a criação de trabalhador de segunda classe, já tentado anteriormente nos governos FHC e Temer, não avançando. Mas estão tentando novamente.
Requip e o estímulo à precarização
Outro programa com foco no fomento de vagas é o Regime Especial de Trabalho, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip). O Requip permite a criação de postos de trabalho com jornadas diminuídas (até 22h semanais), sem a necessidade de registro em carteira. Aqui, os trabalhadores e trabalhadoras não receberão um salário formal. Mas sim uma soma do BIP e do Bolsa Incentivo à Qualificação (BIQ). O BIQ se destina a trabalhadores que participarem de cursos de capacitação de 180 horas anuais. A soma do BIP e do BIQ não excederá meio salário-mínimo (R$ 550).
Todo profissional contratado pelo Requip assinará um Termo de Compromisso de Inclusão Produtiva (CIP). O CIP descarta qualquer vínculo empregatício junto à empresa. Por esse modelo, a trabalhadora ou o trabalhador não terá direito aos benefícios previstos na legislação trabalhista. O CIP terá duração máxima de 12 meses, renovados por mais 12. Caso exista a renovação, o profissional terá direito a férias de 30 dias, mas sem receber o adicional de um terço sobre o salário.
Até 10% dos funcionários poderão ser contratados pelo CIP no primeiro ano da lei. Esse número cresce no ano seguinte (15%), chegando a 20% do quadro no terceiro ano.
Prejuízos da MP 1045 e os trabalhadores de segunda classe
O foco do Requip são pessoas que estão sem trabalhar com carteira assinada há mais de dois anos, jovens até 29 anos e beneficiários do Bolsa Família com renda mensal familiar de até dois salários mínimos (R$ 2.220). Em alguns parâmetros, trata-se de um perfil semelhante ao do Pirore. O problema de programas assim é a criação de uma espécie de “trabalhadores de segunda classe”. Ou seja, são pessoas que atuam em uma empresa sem possuir o mesmo vínculo ou os mesmos direitos trabalhistas dos demais membros. Somados, Requip e Priore podem representar até 45% de novas vagas.
Com o aumento da crise e da massa de desempregados, muitas pessoas terão de aceitar essas condições para garantir o mínimo de sustento. Assim, ações desse tipo servem como estímulo à precarização do trabalho – um movimento que se intensifica desde a aprovação da Reforma Trabalhista, em novembro de 2017.
Trabalho voluntário no serviço público
Nessa mesma linha, a MP 1045 cria o Programa Nacional de Prestação de Serviço Social Voluntário. Essa iniciativa visa estimular a abertura de vagas temporárias por parte das prefeituras municipais. Aqui, os trabalhadores “voluntários” receberiam R$ 240 mensais para jornadas de até 48 horas por mês. Além disso, o único benefício seria o vale-transporte.
Contribuição ao INSS para funcionários suspensos
Trabalhadoras e trabalhadores que tiverem seus contratos suspensos durante a pandemia poderão demorar mais tempo para se aposentar. Isso porque a MP 1045 estipula que as empresas não precisam mais pagar a contribuição do INSS a quem for temporariamente suspenso. De acordo com o texto, o recolhimento das contribuições nesse período passa a ser facultativo para os empregados e empregadas. Assim, eles terão de contribuir como autônomos no intervalo do contrato.
Ou seja, além da diminuição da renda causada pela suspensão temporária, o funcionário ou a funcionária terá de desembolsar as contribuições. Do contrário, o tempo de suspensão não contará para a sua aposentadoria, tornado-a ainda mais tardia.
Afrouxamento do rigor na punição a empresas
Outro prejuízo da MP 1045 aos trabalhadores é a diminuição no rigor das punições a empregadores que cometem irregularidades contra os seus empregados. Com a aprovação da medida, as empresas não serão multadas automaticamente caso seja constatada alguma irregularidade. Para isso, é preciso que sejam realizadas, no mínimo, duas vistorias antes da aplicação da pena. O afrouxamento vale, inclusive, para infrações graves – como irregularidades em relação à segurança ou à saúde do trabalhador.
Entrave para acesso à justiça gratuita
Por fim, a MP 1045 ainda tenta interferir no próprio direito de acesso à justiça gratuita por parte da classe trabalhadora. O texto aprovado pela Câmara dos Deputados estabelece que a concessão à justiça gratuita em causas trabalhistas só ocorrerá a partir da comprovação de renda. Atualmente, quem recorre à Defensoria Pública precisa apenas apresentar uma declaração de insuficiência de recursos. A medida, dessa forma, pode desestimular o trabalhador ou a trabalhadora a pleitear seus direitos em caso de irregularidades cometidas pelas empresas.
Prejuízos da MP 1045: como agir
Como se vê, a MP 1045 é uma tentativa evidente de enfraquecer as relações de trabalho, retirando ainda mais obrigações das empresas. Muitas das medidas aprovadas pela Câmara dos Deputados em agosto já haviam sido rechaçadas em outras oportunidades, a partir da luta de sindicatos, advogados trabalhistas e da classe trabalhadora. O caso da Carteira Verde Amarela é um dos melhores exemplos. Agora, o mesmo golpe parece se rearticular na esfera decisória.
Essa é uma luta não apenas dos movimentos organizados, mas de cada trabalhador e trabalhadora. Apenas com uma pressão intensa da sociedade será possível evitar novas perdas. A MP 1045 (PL 21) ainda precisa ser aprovada no Senado. E existe um prazo legal para sua votação. Caso não ocorra até o dia 9 de setembro (há entendimento que a análise deveria ocorrer até dia 6 de setembro), a MP “caduca”, ou seja, deixa de ter validade e não gerará efeitos.
A polêmica no Senado Federal é que se sofrer alteração terá de retornar para a Câmara dos Deputados e, com isso, as medidas de incentivo e fomento a economia, verdadeiro sentido da MP, não seria aprovados. O dilema do Senado, então, é se votam como está (texto com jabutis como veio da Câmara dos Deputados) e geram prejuízos aos trabalhadores ou se deixam caducar e geram prejuízos sociais.
Os movimentos sociais, sindicais, a advocacia e o campo político de oposição estão buscando construir a melhor solução, que atenda aos dois interesses. Então, até lá, se possível, compartilhe esse texto, faça contato com Senadores e Senadoras pelas sus redes sociais pedindo a exclusão dos jabutis da MP 1045 (PL 21) e busque informações no Sindicato da sua categoria.
Ficou com alguma dúvida? Envie uma mensagem pela caixa de comentários ou entre em contato pelo WhatsApp dos escritórios que integram o Ecossistema Declatra: Gasam Advocacia (PR) e MP&C Advocacia (MG).
#DQT (Direito de Quem Trabalha) é um serviço de conteúdo informativo elaborado pelos escritórios Gonçalves, Auache, Salvador, Allan & Mendonça (Gasam), de Curitiba (PR), e Marcial, Pereira e Carvalho (MP&C), de Belo Horizonte (MG). Ambos integram o Ecossistema Defesa da Classe Trabalhadora (Declatra).